por Jacqueline Patrocinio
Depois de passar dois meses no Peru, o jornalista Mauri
König retorna ao trabalho na Gazeta do Povo, mas vai se manter afastado da
cobertura policial por período ainda indeterminado. O exílio do repórter foi
forçado por questões de segurança pessoal. Ele passou a receber ameaças de
morte após coordenar a série de matérias "Polícia Fora da Lei", que
denunciou irregularidades na atuação da Polícia Civil.
Em dezembro,
telefonemas para a redação do jornal, em Curitiba, informaram que havia um
plano para que a casa do profissional fosse metralhada. Fora do país, ele
chegou a dizer que o governo foi conivente com a situação. Em entrevista ao
Comunique-se, König relata como foi o período em que viveu com sua mulher e
filho sob a proteção de seguranças, o tempo que ficou fora do Brasil e como é
voltar ao trabalho sob o clima de “terror psicológico” que vive.
Confira a íntegra da entrevista:
Saída e retorno ao
Brasil
Quando decidiu que
sair do Brasil era o melhor a se fazer?
Foi uma decisão conjunta. Quem acabou me convencendo a
deixar o país foi o Committee to Protect Journalists (CPJ). Segui a
recomendação deles, que já têm experiência em acompanhar jornalistas que
estejam sofrendo ameaças em alguns países. Acabei ficando quase dois meses no
Peru com o apoio da Gazeta do Povo, que colaborou com parte dos custos, do CPJ
e do Instituto Prensa y Sociedad (IPS), sediado no Peru.
Com a proteção de
entidades internacionais, por que voltou para Curitiba?
Houve a necessidade de voltar. Antes de sair, entre 17 e 22
de dezembro, fiquei com minha mulher e filho pulando de hotel em hotel, sempre
com a proteção de guarda-costas. Durante esse período, eu já tinha colocado
minha casa à venda, antes de viajar, porque minha mulher se sentiu muito
insegura com a ameaça de que poderiam metralhar nossa residência. Enquanto
estávamos fora, ela acabou decidindo mudar de estado. Tivemos que voltar pra
organizar toda essa coisa de mudança. E já que estava aqui, resolvi voltar ao
trabalho.
Com trabalho reconhecido pelo Prêmio Internacional de
Liberdadede
Imprensa, König não se sente seguro no Brasil (Imagem: Arquivo Pessoal)
Imprensa, König não se sente seguro no Brasil (Imagem: Arquivo Pessoal)
Chegou a receber ameaças no Peru?
Não recebi nenhum tipo de ameaça. Tive todo o apoio
estrutural e logístico do CPJ e do IPS, a maior dificuldade foi enfrentar o
distanciamento familiar.
Apesar de ter voltado,
você está com medo de ficar no Brasil?
O problema está centrado no Paraná, como o foco das
reportagens eram denúncias na Polícia Civil do estado. De fato, não estou completamente
tranquilo no Brasil, porque a gente não sabe o que essas pessoas são capazes de
fazer. Fica sempre esse terror psicológico. Você tem que se proteger de um
inimigo invisível, que você não sabe como e onde pode atacar. Viver com essa
instabilidade de saber que de repente você pode estar sendo seguido,
monitorado, é muito difícil.
Governo conivente
O governo estadual
buscou, em algum momento, te auxiliar?
Houve um precedente. Quando publicamos a série em maio de
2012, policiais já tinham usado um blog para fazer ameaças. Fui declarado
inimigo público numero um da Polícia Civil do Paraná depois de mostrar a
corrupção. Naquele período isso se tornou público. Já houve uma ciência das
autoridades de que essas ameaças existiam. Como na internet é muito fácil
excluir esse tipo de coisa, a Gazeta do Povo fez uma reprodução das ameaças e
registrou em cartório. Não houve nenhuma manifestação por parte do governo.
Nada.
Você chegou a declarar
que o governo era conivente com a situação. Você acredita que a polícia deu
pouca importância ao caso?
Sobre a ameaça de 17 de dezembro, o Grupo Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco) abriu uma investigação. Só que ainda não
chegou a conclusão nenhuma. Várias pessoas foram ouvidas. Eu já prestei
depoimentos. As ameaças partiram de um telefone público, mas não havia nenhuma
câmera na via para captar a imagem do autor da ligação.
E a conivência do
governo...
Quando digo que houve uma conivência do estado, foi de não
ter tomado providência lá no início, em maio, porque os responsáveis eram
provavelmente agentes públicos. Como essas pessoas não viram ação nenhuma por
parte do governo, se sentiram confortáveis para continuar me ameaçando.
De volta ao trabalho
Pretende mudar sua
área de atuação, afastando-se da cobertura de denúncias e investigações?
Por período, que ainda não foi definido, vou trabalhar em
uma área que não seja a de segurança pública, estou focando em outros assuntos.
O jornalismo permite que você trabalhe em várias áreas diferentes.
Neste retorno à redação, você conversou com a chefia sobre precauções?
Decidimos que por um período eu vou me dedicar a outras
coberturas. Não é uma decisão unilateral, foi uma decisão conjunta. Além disso,
tenho tomado uma série de precauções.
Quais precauções você
tem tomado?
Alterei minha rotina, meu horário de expediente, procuro
fazer itinerários diversos em diferentes turnos a cada dia. Não frequento
alguns lugares que ia antes e deixei de sair com algumas pessoas.